A compressão do tempo e a angústia do profissional moderno

Cristina PanellaColunas, Newsletters Deixe um Comentário

Às máquinas que produzem dados vertiginosamente, só podemos contrapor nossa capacidade de abstração e de análise. Ou seja, aquilo que temos de mais humano.

A Teoria da Relatividade Restrita e a Teoria da Relatividade Geral apresentadas no início do século passado demonstram a relatividade do tempo (e do espaço) e demonstraram que tempo e espaço são relativos e dependem do ponto de vista do observador. A partir daí, provou-se, também, um fato conhecido como “dilatação do tempo”, a partir da constatação de que uma hora para um observador em repouso na superfície da Terra pode corresponder a alguns minutos ou segundos para outro observador em alta velocidade.

Embora a descoberta tenha mais de um século, muitas pessoas ainda compartilham a ideia de que o tempo é uma sucessão de unidades com idêntica dimensão (horas, dias, meses, anos). A essa percepção do encadeamento homogêneo do tempo se adaptaram muitos atos do consumo diário como prazos de pagamento para bens, entre outros, ratificando a noção de um passar do tempo que se desenrola em unidades fixas. Mesmo quando as pessoas parecem admitir algo diferente – quando afirmam que o mês passou muito rápido, por exemplo – trata-se de uma sensação, de uma emoção sobre a inexorabilidade dos dias que se sucedem.

Atualmente, os avanços tecnológicos e científicos fazem com que experimentemos um outro tipo de fenômeno, que chamarei de compressão do tempo. Para melhor exemplificar a ideia, busquei nos últimos trinta anos, algumas poucas descobertas tecnológicas largamente difundidas que se tornaram acessíveis inicialmente ao mundo profissional e, em seguida, aos lares. É o caso do fax (hoje ultrapassado pelo scanner + Internet), do PC, da própria Internet ou ainda da impressora. Essas novidades tecnológicas modificaram nossa percepção do tempo, comprimindo-o.

O fax tornou possível o envio de mensagens, desenhos ou outros à distância, via linha telefônica e propiciou também o envio de documentos ou mesmo cartas comprimindo em muito o tempo de envio praticado pelos correios. O aparelho foi a verdadeira novidade anterior à Internet que, acoplada ao PC viria revolucionar ainda mais toda a noção de tempo e, com ela, a de espaço ao permitir a comunicação on line entre pessoas em países muito distantes, praticamente anulando tanto (a percepção do espaço) como o tempo ao colocar em comunicação real duas pessoas em fusos horários distintos. E mesmo um equipamento periférico como a impressora (que varreu as equipes de datilógrafos e revisores) contribuiu com a angústia que a compressão do tempo traz ao ejetar em minutos páginas e páginas digitadas no PC. Toda essa compressão do tempo acarretou um rearranjo de nossos hábitos e previsões.

Olhando para trás, essas mudanças parecem um pouco óbvias porque raramente nos lembramos dos períodos de adaptação pelos quais passamos e pelas mudanças sociais que acarretaram, tal como o desaparecimento de profissões (que não é uma ameaça atual).

Sem dúvida, aprendemos com essas mudanças, mas elas não nos prepararam para a atual hiper compressão do tempo que vivemos, impulsionada pelo alcance do Google como instrumento de busca, o uso de algoritmos e, principalmente, da Inteligência Artificial. Isso porque a velocidade da disponibilidade e processamento das informações aumentou de forma exponencial e a forma humana habitual de apreender os fenômenos – separando e entendendo cada uma as partes – perdeu o sentido.

Compreendendo a mudança que a compressão do tempo acarreta, constata-se que a preocupação não deve estar no desaparecimento das profissões, por exemplo, nem em procurar acumular ao máximo informações, tentando concorrer com as máquinas. É fundamental reforçar uma das características fundamentalmente humana que ultrapassa a informação e consolida o conhecimento: a busca por relações e a prática da visão sistêmica. Às máquinas que produzem dados vertiginosamente, só podemos contrapor nossa capacidade de abstração e de análise. Ou seja, aquilo que temos de mais humano.

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Texto originalmente publicado por BMI – Brazilian Management Institute em 10-jul-2019

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