A Comunicação na Era das Mídias Sociais – Competência Individual ou Interação Social

Cristina PanellaColunas, Newsletters Deixe um Comentário

Publicações BMI – Blue Institute Management (março 2018)

O estudo sociológico da comunicação inspirou-se em diferentes trabalhos realizados pela Linguística e pela Psicologia Social.

Oscilando entre duas concepções gerais da comunicação – circulação de informações e/ou comunhão de ideias – as abordagens forneceram tanto ferramentas de pesquisa aperfeiçoadas pela análise das estruturas da linguagem, quanto técnicas que visam colocar em evidência a formação de opiniões, as atitudes e os comportamentos dos indivíduos (Interação social).

A evolução histórica das teorias da comunicação apresenta um movimento que alterna entre uma concepção baseada na eficácia (e poder) da mídia na comunicação e outra, na qual o sujeito (enunciador ou destinatário) constitui a única realidade a ser levada em conta.

Essas posições, recobrem duas concepções do social: na primeira, o sujeito está em relação de exterioridade completa com o mundo social objetivo; na segunda, o social é o produto da subjetividade dos sujeitos, conforme Berger e Luckman (1989).

Na sociologia, duas imagens de sociedade concorrem: a primeira, de uma «sociedade de massa», na qual as mídias ocupavam um lugar importante e às quais era atribuído um poder determinante no comportamento dos indivíduos e, a segunda, de uma sociedade organizada em «microgrupos», nos quais o social se construía. Mas o mais surpreendente dos estudos sobre as mídias é a capacidade de o esquema linear harmonizar-se igualmente com duas imagens tão contrastantes da sociedade.

Durante a década de 1960, os estudos sobre a comunicação das mídias deslocaram-se para o polo da recepção, com McLuhan, com a defesa de «novos meios de comunicação». Na verdade, as mídias não só estariam a serviço dos desígnios do receptor, como também agiriam sobre ele, transformando sua sensibilidade, sua maneira de viver, seu sistema de valores. Prolongamentos tecnológicos do homem, as mídias conspirariam para mudar simultaneamente o homem e a sociedade.

A similaridade com o que encontramos hoje nas análises sobre o poder das mídias sociais não deixa de ser surpreendente e perturbadora de certa forma.
Para McLuhan, os receptores não eram mais indivíduos, mas componentes de um novo «corpo social» único: a massa. P. Bourdieu e J.-C. Passeron (1963), demonstraram o quanto o «alcance sociológico» de tal conceito era ilusório. Para eles, a análise o conceito de «massa» parecia uma boneca russa, que revelava inesgotáveis fontes de desdobramentos internos, q não apenas sobre o alcance excepcional da difusão, mas a própria natureza da «cultura» veiculada: o meio de comunicação é chamado «de massa» porque comunica maciçamente uma «cultura de massa». Mas o que é «cultura de massa»? Não se poderia defini-la como o conjunto de mensagens difundidas pelos «meios de comunicação de massa»? Seria a cultura das «massas», isto é, do sistema de conhecimentos e de atitudes que se encontram nas «massas», em oposição às elites beneficiadas pela cultura escolar? Responder afirmativamente é dizer que as mass media dão às «massas» o que já lhes pertence e o mistério da «massificação» desaparece. Esse círculo lógico engendra em cada ponto tantos círculos quantos se quiser: as massas são massas unicamente quando destinatárias massificadas de uma cultura de massa maciçamente difundida.

Cabe perguntar: o que é a comunicação produzidas nas mídias sociais? Muitas vezes definida como essencialmente individual, como explicar o alcance e efeitos que produzem de forma em vários grupos?

As diferentes pesquisas realizadas a sobre a interação social trouxeram uma nova corrente sociológica a etnometodologia, inspirada nos trabalhos de T. Parson e de A. Schutz nos Estados Unidos. A relação que une o indivíduo-emissor ao receptor não era mais examinada sob o aspecto da transmissão de informações, mas sob o de relações de comunicação. O mundo social é, nessa perspectiva, caracterizado por sua qualidade de intersubjetividade e examinado enquanto produto da construção dos sujeitos. Schutz define a realidade social como a soma total dos objetos e dos acontecimentos do mundo cultural e social, vivido pelo pensamento do senso comum de homens que vivem juntos inúmeras relações de interação. Desde o começo, nós, atores da cena social, vivemos o mundo como um mundo de cultura e de natureza; não um mundo privado, mas intersubjetivo, isto é, que nos é comum, que nos é dado ou que é potencialmente acessível a cada um de nós; e isso implica a intercomunicação e a linguagem.

A contribuição fundamental dessa corrente está na importância concedida aos atores, definidos como sujeitos sociais e na ênfase sobre o processo de construção que caracteriza o mundo social. Mas ao atribuir ao indivíduo a capacidade de organizar (e de construir) não simplesmente sua representação do mundo social, mas o sentido social, essas abordagens confundem descrição e análise. N. Ramognino (1991), lembra que a etnometodologia e os diferentes interacionismos não operacionalizam a dimensão cognitiva, pois descrevem mais uma competência normativa do ator. No entanto, a etnometodologia teve o mérito (compartilhado com a Linguística) de retomar a importância das diferentes formas da linguagem nos processos de comunicação e de construção do sentido social, via que será explorada pela Escola de Palo Alto.

O objeto das pesquisas desta escola era o estudo da comunicação humana por meio de um modelo que reúne a elaboração de uma teoria da comunicação, a concepção de um método de mudança e o ajuste de uma prática terapêutica – chegando a um paradigma de explicação da nova comunicação definida como um «conjunto orquestral», figura imagética para transmitir a «harmonia» resultante dos diferentes «sentidos» e formas de linguagem que caracterizam a expressão dos atores sociais. Essa diversidade de sentidos das ações individuais seria o verdadeiro motor da mudança inicialmente individual e, em seguida, social. Além está na origem de ajustes efetuados pelos atores, em função das reações observadas na interação (princípio do «feedback»).

As diversas pesquisas realizadas pela Escola de Palo Alto tiveram o mérito de acentuar, para além das formas da linguagem que caracterizam a interação social, o papel primordial do contexto, no qual as diferentes situações de interação ocorrem enquanto ponto de referência para a análise das interações e da mudança. O modelo da «nova comunicação» – principalmente pelo recurso ao conceito de feedback, que impede qualquer ideia de causalidade linear, pode encerrar o analista em outra causalidade circular, na qual cada comportamento é envolvido num jogo complexo de implicações, de ações e de retroações que os une. No âmbito desta análise, é importante assinalar que um dos quatro axiomas do paradigma da «nova comunicação» consiste em afirmar que toda troca de comunicação é simétrica ao se basear na igualdade ou complementar, ao se basear na diferença (1).

Como analisar a atividade cognitiva (de acordo com suas determinações socioeconômicas, culturais e em função de contextos políticos de cada sociedade) que caracteriza todo receptor, assim como a atividade de comunicação? Como analisar o status e a natureza das mídias no processo de comunicação?

Em 1991 lancei a ideia de um novo campo teórico de estudos sobre a comunicação que abrange a atividade cognitiva e social dos atores do processo de comunicação, entendendo toda manifestação comunicacional como simultaneamente, matéria-prima e produto dos processos sociais de construção do sentido. O conceito de co-construção, como o conjunto de significados atribuídos a um conjunto comunicacional texto-imagem. Permite conceber a comunicação como um processo de coprodução do sentido e analisar os diferentes mecanismos sociais de co-construção de significados que a caracterizam permite que ultrapassássemos os diferentes tipos de recorte históricos.

O uso do conceito – e suas implicações tanto sobre o plano da construção das mensagens como dos processos de comunicação e interação entre indivíduos pode, em minha opinião, contribuir significativamente para nossas reflexões sobre comunicação – seja do ponto de vista da mídia como da construção da cultura.

(1) Os outros três axiomas são: a) não se pode deixar de comunicar; b) toda relação apresenta dois aspectos: o conteúdo e a relação, de forma que o segundo engloba o primeiro e, assim, é uma metacomunicação; c) a natureza de uma comunicação depende da pontuação das sequências de comunicação entre os parceiros. Cf. Bateson et. al., 1981.

(2) Panella, M.C.L – Créatifs et Publics à l´Œuvre: La communication publicitaire, une co-construction, tese de Doutorado em Sociologia, EHESS, França, 1991

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Cristina Panella é Consultora Associada Senior BMI Blue Management Institute

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