Compliance e anti corrupção

SEGREDOS DE CONFESSIONÁRIO CORPORATIVO

Cristina PanellaConvidados 1 Comment

gestão de crise
As empresas e seus boards perderam a possibilidade de alegar desconhecimento de pagamentos de propinas por seus empregados, investidores, fornecedores ou terceirizados. Um novo tempo.

A lei 12.846, promulgada em agosto de 2013, pareceu um avanço. Recebeu até um nome de batismo: lei anticorrupção. Hoje, pouco se fala dela. Uma lástima. Seu propósito inicial foi o de punir com rigor inédito no Brasil organizações empresariais que, em total detrimento da concorrência ética, corrompem servidores públicos.

Para isso, ampliou a responsabilidade além dos funcionários. Na letra da lei, as empresas e seus boards de dirigentes perderam a possibilidade de alegar desconhecimento de pagamentos de propinas, sob quaisquer formas, por seus empregados, investidores, fornecedores ou terceirizados.

Comprovada a corrupção ativa, aqui ou no exterior, as empresas têm de ressarcir os prejuízos ao Tesouro. E arcar com vultosas multas, que podem chegar a 20% de seu faturamento. Além disso, as organizações ficam proibidas de se beneficiar de financiamentos públicos, isenções fiscais e quaisquer subsídios estatais por anos.

Após todo esse tempo de sua promulgação, não me perguntem se a lei ainda tem chance de pegar pra valer. Não faço a mais anoréxica ideia! Mas se pegar, não tenho dúvida: será um pega pra capar. Sobretudo porque significará uma revolução cultural atlântica em corações e mentes inidôneas que têm a certeza da impunidade desde mais de 500 anos. Ocorre que a lei tem uma estratégia frequentemente muito eficaz: atingir os bolsos.

E para os realistas de plantão – aos quais me incluo, claro – há um alento: legislações semelhantes são uma tendência mundial irreversível. Aplicadas com êxito, tudo indica. A ponto de Allen Morrison, diretor do respeitado Centro de Gestão Global da Escola de Negócios suíça IMD, declarar à revista Exame: “o mau caráter é pior que um incompetente”.

Sabemos que por aqui a questão é muito mais cabeluda, tanto do lado jurídico como dos ventos da governança organizacional. Com a palavra, portanto, os experts nesses campos, gabaritados para esmiuçar as minudências da legislação. O fato é que as corporações, globais ou não, nitidamente vêm criando ou ampliando áreas de compliance na saudável busca de higidez em seus business.

Ou seja, na hipótese otimista: empresas mais éticas resultam em mercados com menos espaço para a sempre deletéria concorrência desleal. Uma transformação e tanto em se tratando de Brasil. E com custo apreciável para ouvir com metodologias eficientes e treinar funcionários, averiguar denúncias, monitorar parceiros… Enfim, assegurar melhores práticas de negócios dentro e fora de casa. Custo talvez mais barato nos dígitos da planilha do Excel, contabilizando-se as consequências de pagar propinas e ganhar no grito das falcatruas.

“Desvios éticos podem destruir para sempre a imagem de uma empresa”
Allen Morrison

Há, entretanto, um aspecto que, passado tanto tempo, constato pouco analisado. Refiro-me aos impactos da lei sobre a atividade de comunicação corporativa. No espírito da hipótese otimista, suspeito que a relevância do profissional da área cresça consideravelmente se a 12.846 vingar de fato.

Pra começo de reflexão, uma pergunta: você mentiria em consulta médica ou, pra ser mais cirúrgico, ao seu advogado? Pois é… Não raro, por mais confiáveis que sejam aos olhos de seus empregadores ou clientes, profissionais de comunicação corporativa deparam com mentiras ou omissões, particularmente quando espocam os primeiros sons de uma baita crise no horizonte.

Só cabe, então, improvisar na administração da crise ou na contenção de danos. Exatamente o oposto de tudo o que é crucial fazer. Qual seja: diagnosticar cenários, planejar estratégias, comunicar e atualizar (do CEO ao chão de fábrica!), colocar em prática planos de ações… Para isso, contudo, profissionais da comunicação necessitam de todas – enfatizo, todas – as informações, matéria-prima inseparável do métier.

Lembro-me de um caso em que se viu involuntariamente envolvido profissional altamente qualificado em comunicação corporativa. Iniciou a carreira como jornalista – jornalista chato, diga-se (ops, pleonasmo: se não for profissionalmente chato, não é jornalista). Alcançou elevado cargo executivo em empresa líder mundial de seu segmento.

Surpreendido com informação que era, para usar a expressão da moda à época, nitroglicerina pura, perguntou ao presidente da empresa o porquê de não ter sido inteirado da treta. A resposta: “se vira”. Fez o que achou que devia. Demitiu-se.

Retomo a alusão aos advogados. Diante de cliente que terá de defender, necessita de todos os fatos. Devidamente inteirado, pode aceitar ou recusar o caso. Mas, como um médico ou um padre, por dever do ofício terá de manter o sigilo profissional, qualquer que seja sua escolha.

Em face da lei anticorrupção, penso que a analogia dos profissionais de comunicação corporativa com os operadores do Direito não é de todo disparatada. Mesmo em um mercado extremamente competitivo, predatório até, creio que ficar ao lado da ética – e sigilo profissional é intrínseco a ela – acabará se tornando diferencial qualitativo na atividade.

Agora, mesmo sem ser exatamente especialista em Direito Canônico (muito ao contrário), acho que se você, embora sabendo de escabrosas transações, aceitar o emprego ou o cliente, aí colega só me resta ir no popular: ajoelhou, tem de rezar.

Reinaldo Ramos é jornalista há mais de 40 anos, com particular atuação em economia e negócios. Foi repórter e editor em revistas e jornais como “O Globo”, “Jornal do Brasil” e “O Estado de S. Paulo”. Formado pela USP, especializou-se em Comunicação Corporativa, exercendo cargos como executivo de organizações locais e multinacionais. Presta consultoria para empresas e lideranças empresarias na RR Comunicação Corporativa (marrano1@terra.com.br).

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Breve apresentação da Cristina Panella Planejamento e Pesquisa. Vamos tomar um café para conversarmos sobre suas necessidades?

Comments 1

  1. Parabéns Reinaldo, e muito bem observados 2 itens:

    1o. as ‘leis que não pegam” no Brasil, é folclórico mas verdadeiro !
    2o. ficou nas entrelinhas mas, a despeito de serem mais ‘avançadas’ tanto em tempo de vida comercial quanto supostamente socialmente,
    empresas multinacionais – as europeias tem-se destacado, aceitam com muito prazer pagar propinas !!

    Finalmente lembrando que a propina no Brasil nunca fica limitada aos 1/ 2 / 3% propagados – a ela se somam todos os I’s do Custo Brasil (IR,ICMS, IPI, II, ISS
    , pIs/cofIns), etc …. que geram uma multiplicação enorme dos valores dessa cadeia de desvios, ou será que os governos contabilizam isso como troco?

    Abraços

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