Do ponto de vista da sociologia, é importante observar tendências. A antiga acepção onde a expectativa de carreira – curta ou longa – e como fator de atratividade deixa praticamente de existir. A relação “trabalhador – empresa” passa a ser regida pela ótica da adesão, por períodos mais curtos e com escopo determinado.
Os últimos anos de crise econômica do Brasil contribuíram para que as empresas – forçadas a diminuir custos e trabalhar com margens apertadas – tomassem consciência do valor da contribuição de suas equipes para o negócio. Na falta de recursos para investir e com a prática de uma política austera, as empresas voltaram-se para seu capital interno, investindo em medidas que garantissem maior retenção e, principalmente, maior produtividade. Para tanto foram aplicadas estratégias de formação e retenção de talentos, enquanto eram aprimoradas as técnicas de contratação e o desenvolvimento de indicadores de performance das equipes não operacionais, como as de comunicação interna, para o valor das empresas.
Do ponto de vista sociológico, as mudanças observadas não podem, no entanto, ficarem restritas aos efeitos da crise. Movimentos recorrentes vem sendo observados nos grandes centros urbanos tanto no sentido da busca por melhor localização geográfica (com a consequente escolha de locais de trabalho em função do tempo de deslocamento, possibilidade de trabalhar em divisões empresariais menores, coworkings) como por novos arranjos e formas de contratos trabalhistas.
No Brasil, a representação social do trabalhador desde há muito tempo revela ambiguidades já em sua denominação. Muitas empresas ainda tratam seus trabalhadores como funcionários – denominação que tem origem nos empregados da função pública e que carrega uma certa ideia de estabilidade. Outras, utilizam a denominação de empregados, menos valorizada, uma vez que engloba diferentes níveis hierárquicos e costuma ser diluída, enquanto massa, como custo de mão de obra. Mais recentemente, a terceirização e novas formas contratuais vem privilegiando a palavra colaborador definido com “pessoa que trabalha com outra em iguais circunstâncias de iniciativa” o que, na verdade, recobre uma série de diferentes formas de relação entre o trabalhador e a empresa.
As diferentes denominações dos trabalhadores indicam mudanças na posição ocupada no cenário econômico. No modelo do início do capitalismo, os trabalhadores alugavam horas de sua força de trabalho (entendida em sua forma física) para as empresas contra uma produtividade esperada ou exigida. Com o passar do tempo – e a complexificação das empresas – constituiu-se o grupo dos empregados administrativos considerados inicialmente burocratas – cujo custo não era mais coberto pela produção direta, mas deveria ser absorvido pela empresa. Esse foi o modelo vigente até bem pouco tempo. Quais eram, então, os atrativos para se trabalhar em uma empresa – tanto do ponto de vista administrativo como da produção? Os benefícios concedidos e, principalmente, a possibilidade de fazer carreira, muitas vezes superiores a 20 anos, com promoções obtidas mais pelo tempo de antiguidade na empresa do que pelo mérito. Do ponto de vista do recrutamento, as empresas – verdadeiros bunkers – ocupam espaços fechados, acessíveis somente àqueles que ali trabalhavam, recebiam CVs ou a visita de candidatos potenciais que eram entrevistados quase que de forma blind, sem que fossem esclarecidas as habilidades desejadas ou mesmo o trabalho que iriam desempenhar. Uma vez o contrato assinado, restava cumpri-lo.
Essa história poderia continuar de forma linear por um longo período se o mundo social, simultaneamente, não estivesse mudando de forma acelerada.
Um primeiro aspecto tem a ver com as gerações, antigamente pensadas em intervalos de 25 anos, que vem se tornando mais curtas, em boa parte pela evolução acelerada da tecnologia, o que propiciou mudanças significativas tanto nas habilidades dos diferentes grupos geracionais como nos formatos organizacionais das empresas e multiplicação dos tipos de vínculo, aspectos que contribuem em boa medida para a atual percepção dos jovens sobre o trabalho.
Nas empresas, o centro das discussões sobre gestão do pessoal que, até então, sempre havia repousado sobre as habilidades, transportou-se para os hábitos, comportamentos e padrões que as pessoas bem-sucedidas adotam. Muitos desses padrões são inconscientes e aparecem claramente aos especialistas por meio de sistemas de inteligência artificial, como o proporcionado pelas técnicas utilizadas como o people analytics que integra outras dimensões .
O fluxo de busca, atração e retenção de talentos deixou de ser unidirecional – candidatos também passaram a selecionar empresas que assumiram um papel mais reativo na contratação. Um dos principais fatores de seleção dos candidatos têm sido buscar aquelas empresas com as quais têm certa identidade de propósito. A esse fator se adiciona a qualidade de vida, conceito amplo que reúne desde aspectos como distância, mobilidade, ambiente de trabalho, possibilidade de trabalho remoto, entre outros.
Do ponto de vista da sociologia, o importante é a observação de tendências. Assim, independentemente do número de empresas ainda restrito que já adotam o novo modelo, o movimento parece inelutável. Ou seja, a antiga acepção onde a expectativa de carreira – curta ou longa – em uma empresa como fator de atratividade deixa praticamente de existir. A relação “trabalhador – empresa” passa a ser regida pela ótica da adesão, por períodos mais curtos e com escopo determinado. E o trabalhador aceita esse novo contrato temporário pela perspectiva de incremento em sua formação, o que o levará a postular em outra empresa com melhores condições, tornando-se o mestre de sua carreira.
1 “Quando usamos dados para avaliar que tornam as pessoas eficientes, felizes, criativas, especialistas, líderes, seguidores, enfim, estamos usando people analytics.”
(CEO da Humanyze e expert no assunto, Ben Wab)
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Texto originalmente publicado pela BMI – Brazil Institute Management, em 09-jan-2019
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